quinta-feira, 20 de novembro de 2008

PRONUNCIAMENTO DO DEPUTADO FEDERAL INÁCIO ARRUDA, EM 20/11/2001, POR OCASIÃO DO DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA.


Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados
 

Ao iniciar meu pronunciamento registrando o Dia Nacional da Consciência Negra recorro ao poeta popular cearense, Patativa do Assaré:

" Vou dá uma prova franca/ falando para seu dotô/ gente preta e gente branca/ tudo é de Nosso Senhô/ mas tem branco inconsciente/ que querendo sê decente diz que o preto faz e nega/ que o preto tem toda faia/ não vê os rabo de paia/ que muitos branco carrega."
 
Nessa pequena estrofe, o cordelista cearense consegue demonstrar a dicotomia social estabelecida entre negros e brancos. Patativa resgata os valores decência x indecência; consciência x inconsciência; erro x acerto; culpa x inocência redefinindo-os em pólos opostos, caracterizando-os como adjetivos raciais de "negros" e "brancos".
 
Defendemos, que tal interpretação pode ser estendida, também, aos povos indígenas, às mulheres, aos homossexuais, aos portadores de necessidades especiais , trabalhadores e trabalhadoras desta nação, que possuem espaços socialmente determinados. Grupos, estes, que continuam sendo entendidos como "minorias". E nós perguntamos: minorias em relação a qual modelo? Ao do homem branco, burguês e ocidental ?
 
As imagens que foram construídas ao longo dos tempos, a respeito da formação cultural brasileira, os conceitos de mulato, cafuzo, mameluco entre outros, apresentam modelos que perpassam o imaginário nacional, estando presente, por exemplo, em nossas manifestações culturais, no cenário político, na literatura, na educação. Dentro e fora de nossas casas; nos espaços público e privado; popular e burguês.
 
Falar sobre o Dia Nacional da Consciência Negra nos faz parafrasear Patativa quando ele propõe o respeito às diferenças. Acreditamos que isto não deve ser encarado como concessão ou exceção a uma regra socialmente estabelecida, mas como o direito de igualdade em oportunidades entre os indivíduos. O dia 20 de novembro marca o assassinato do líder Zumbi dos Palmares, oficializado herói nacional, por ocasião do tricentenário de sua morte em 1996. Símbolo da resistência contra o racismo, a opressão e as desigualdades sociais. Marca da resistência dos povos contra o colonialismo, o imperialismo e o terrorismo em todo o mundo, sob todas as formas.
 
O projeto neoliberal, implantado em nosso país, acirra as desigualdades, afetando, ainda mais, as parcelas menos favorecidas da população brasileira. Em pesquisa realizada pelo DIEESE (1998) são apresentadas informações que comprovam a discriminação à população negra, tomando por base as regiões metropolitanas.
 

Vejamos:

 
Taxas de Desemprego por Sexo e segundo a Raça (em %)
1998

Regiões Metropolitanas

Negros

Não Negros

Diferença entre as taxas

Mulheres

Homens

Mulheres

Homens

Mulheres negras e mulheres não negras

Homens Negros e Homens não negros

São Paulo

25

20,9

19,2

13,8

19,6

51,4

Salvador

27,6

24,0

20,3

15,2

36,0

57,9

Recife

26,3

20,5

22,6

16,2

16,4

26,6

Distrito Federal

22,4

18,9

21,0

14,2

6,7

33,1

Belo Horizonte

20,5

15,8

16,8

11,5

22,0

37,4

Porto Alegre

22,7

19,2

18,1

13,1

25,4

46,6

Fonte: DIEESE/ SEADE e entidades regionais - Pesquisa de Emprego e Desemprego
Obs.: Raça Negra: pretos e pardos; raça não negra: brancos e amarelos

 

Os dados apresentados demonstram que as taxas de desemprego entre homens e mulheres, negros (as) e não negros (as) ainda registram valores muito elevados. Se compararmos a diferença das taxas entre homens negros e não negros, com mulheres negras e não negras, a maior diferença estará em relação às mulheres negras, já que estas apresentam, em todas as regiões, as maiores taxas de desemprego.
 
No entanto, este debate não se encerra na mera inserção no mercado de trabalho. Deve ser acompanhada pelos números que registram a taxa de analfabetismo, o número de anos de permanência na escola e a média de rendimentos salariais.
 
Na Síntese dos Indicadores Sociais - IBGE (2000) é apontado que, em 1999, a taxa de analfabetismo entre pretos e pardos é de 20%, enquanto entre os brancos cai para 8,3%. Quando demonstram o número de anos de permanência na escola as estatísticas não são diferentes: os pretos passam 4,5 anos, os pardos 4,6 anos e os brancos 6,7 anos. Isto demonstra que os pretos e pardos saem mais cedo da escola, o que irá refletir, diretamente na população jovem, quanto ao acesso ao nível superior e ao mercado de trabalho.
 
Quando empregados (as) os níveis salariais também servem para denunciar a discriminação econômica e de gênero. Conforme Sueli Carneiro e Thereza Santos, na obra "Mulher Negra" : 83,1% das mulheres negras trabalham na agricultura e na prestação de serviços (principalmente como empregadas domésticas); 60% não têm registro em carteira. Quanto à média salarial, os homens brancos recebem 6,3% salários mínimos (s.m), os negros 2,9 s.m, as mulheres brancas 3,6 s.m e a s mulheres negras 1,7 s.m Tais dados tornam-se ainda mais gritantes quando se estima que o número de mulheres chefes de família no país varia entre 20% e 25%. As condições de trabalho e salários destas mulheres refletiram diretamente no grau de pobreza dessas famílias.
 
As informações colocadas até aqui denunciam o mito da democracia econômica e de gênero em nosso país. Falamos de homens e mulheres, negros (as), jovens, empregados (as) ou não, alfabetizados (as) ou não. Falamos de milhões de brasileiros (as) denominadas de negros e pardos que somam, mais de 70 milhões de indivíduos (segundo PNAD - 1999), vítimas cotidianas das mais diversas formas de discriminação.
 

Por tudo isso, apresentamos na Assembléia Legislativa do Ceará em nosso mandato como deputado Estadual o projeto de lei que institui o Dia Estadual da consciência negra a ser comemorado em cada dia 20 de novembro. O projeto originou a Lei de n.º 12056 de 12 de janeiro de 1993, onde estabelece que o Governo do Estado e a Assembléia legislativa do Ceará, promoverão atividades alusivas a esta data. Ficou instituído também que as comemorações nas escolas públicas estarão relacionadas a dedicação das atividades curriculares para abordagem de temas relativos a participação do negro na história do Brasil e especificamente do Ceará. Tais atividades serão desenvolvidas com a participação da comunidade negra do estado por meio de suas entidades representativas.


O total descaso com o cumprimento desta lei por parte do Governo do Estado, vem ratificar a falta de uma política cultural de valorização do povo cearense de nossos valores e nossa história.
 

Remeto-me, nesse momento, a todos aqueles que lutam, alguns chegando a dar a própria vida, em nome da liberdade, da democracia e do respeito às diferenças. Dos povos indígenas à Zumbi dos Palmares; dos negros (as) escravo (as) a Joaquim Nabuco, de Chica da Silva aos poetas Cruz e Souza, Lima Barreto; de Castro Alves à Jorge Amado; do Mestre Aleijadinho ao Geógrafo Milton Santos; de Chiquinha Gonzaga aos guerrilheiros e guerrilheiras do Araguaia. Nesta data símbolo da resistência saúdo a todos que lutam e lutaram na construção de um mundo justo e igualitário.

 
É o que eu tenho a dizer!

Deputado Inácio Arruda
Líder do PC do B
 

Fonte: Site Câmara dos Deputados

Palavras-chaves: Pronunciamento, Consciência, Negra

Gestor da Informação: Julio César dos Santos – Articulador Social


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