quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

TEATRO DE GRUPO: IDENTIDADE E CONFORMAÇÃO

Dentro do contexto pós-moderno no qual a sociedade contemporânea está
inserida, percebemos que este sustenta a versão simplista de dizeres
coloquiais como: tudo é arte, tudo é relativo, e assim se apresenta
na tentativa de justificar a ausência de uma nova criação
artística, algo original, que ainda não seja conhecido. Nossa
sociedade está calcada na novidade e sua rápida reciclagem, "é muito
mais importante comprar, ter, do que usar". O capitalismo se apropria de
tudo numa velocidade estonteante, inclusive da arte, e faz com que tudo
se transforme em mercadoria antes mesmo antes de estar pronto. Nesse
contexto é importante abrir reflexões sobre o papel do artista, uma
vez que este poderia ocupar o lugar de um sujeito que exercita e
desenvolve ao máximo seu senso crítico e talvez um dos exercícios
seja justamente "estar na busca do novo", buscá-lo faz parte da não
instalação na hegemonia. Fazer a crítica é também uma forma e, que
por sua vez, torna-se uma possibilidade de resistir ao capitalismo.
Esses são exercícios difíceis, pertencentes a uma árdua tarefa que
cabe aos artistas e intelectuais, ou ainda melhor a todo cidadão
responsável. Afinal não se pode pensar que o estado caótico no qual
a sociedade está imersa, construiu-se e organizou-se do acaso.
As transformações históricas, a perda ao longo prazo dos paradigmas
norteadores da vida social, os avanços tecnológicos, o avanço
científico por ora importante para todos, mas que por ora é
aterrorizador, as crenças distintas de religião que vão movendo a
fé do cidadão, tornando a instituição igreja um mercado
competitivo, as constantes novas teorias dentro dos estudos da
antropologia que tenta dar conta do homem, fazem dos séculos XX e XXI,
períodos que se dão dentro um marco de movimento caótico, possível
de substituir pelo termo trânsito de difícil compreensão, uma vez
perdida as noções de valores, de princípios, de ética e até mesmo
de estética que a pouco guiava-nos. Mas, como dar conta em manter-se
em exercício mediante o total declínio dos paradigmas e das
identidades, que como grandes pilares sustentaram e mantiveram a
sociedade? Como pensar em revolução, se hoje nos caracterizamos como
indivíduos fragmentados, rompidos com os elos da história? Qual a
identidade do artista ?
O sociólogo Stuart Hall afirma que:
A identidade preenche o espaço entre o "interior" e o "exterior"- entre
o mundo pessoal e o mundo público de que projetamos a "nós próprios"
nessas identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos seus
significados e valores, tornado-os "parte de nós", contribui para
alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que
ocupamos no mundo social e cultural. A identidade então costura (ou,
para uma metáfora médica, "sutura") o sujeito à estrutura.
Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles
habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis
(HALL 1992, p 11 - 12).
Nesse breve pensar sobre o indivíduo, não posso fugir em pensar um
pouco sobre o ator de nosso tempo, que afinal, o fato de ser ator não
o faz um extraterrestre, passível de não ser afetado pelo processo
histórico.Quem é esse indivíduo que faz parte desse cotidiano
pós-moderno? Como se agrupa com outras pessoas para o fazer teatral e
como se coloca frente a um sistema capitalista que absorve a produção
teatral ferozmente? Quais referenciais tem sustentado, o ator em seu
trabalho hoje? Dentro destes questionamentos, que não tenho aqui a
pretensão de dar respostas, uma questão que há tempos me interessa
observar, particularmente, são as diferentes maneiras que nós
teatristas encontramos de fazer teatro. Não me refiro a diferenças de
estética, poética e ou de linguagem que um espetáculo possa ter do
outro, e sim as diferentes maneiras que as pessoas que fazem teatro
encontram para agrupar-se e gerar suas condições de trabalho e de
vida.
Há muitos exemplos de agrupar-se para fazer teatro, mas vou limitar-me
a refletir agora sobre o conceito de companhia ou grupo estável; que
está no marco de um conceito que pressupõem um trabalho em longo
prazo, voltado para formação atorial, fora do eixo e dos princípios
do teatro comercial, e que pressupõem um trabalho de investigação do
fazer teatral.
Nesta maneira de agrupar-se, pode-se encontrar diferenças entre os
grupos ou companhias e são essas diferenças que definem o perfil
particular de cada grupo. O fato de algumas pessoas se unirem para
gerar teatro desta maneira e, que essa grupalidade se mantenha além da
montagem do espetáculo, motiva e impulsiona os integrantes a pensar em
outras questões relacionadas à produção e ao fato de sobreviver
como grupo que tenta desenvolver um trabalho que não é somente a
criação do espetáculo, é também o trabalhar para a formação do
homem, buscando reconhecer suas debilidades como um meio de avançar em
sua existência e na sua produção artística.
Assim, cria-se um espaço onde não haverá só a preocupação de
incorporar uma série de elementos técnicos relacionados ao oficio do
ator e nem só para criar espetáculos. Cria-se um espaço onde a
formação do ator em variados níveis e pressupõem um lugar de ampla
liberdade formativa. Isto entre outros elementos é o que diferencia a
idéia de estabelecer-se dentro do conceito de "teatro de grupo", falo
de um conceito, porque podemos ver que sempre para a realização
teatral necessita-se de um grupo de pessoas.
Teatro de grupo pressupõem estabilidade de elenco, conformação de um
esquema de treinamento atorial, criação de material espetacular e
principalmente, busca fazer um teatro que confronta suas dificuldades e
hegemonias. Assim, este teatro se dá na margem periférica, não por
imposição e sim por opção, criando um espaço outro de reflexão,
mas sem perder de vista seu espaço criativo e a construção do
material espetacular, o desenvolvimento de ética e estética.
A idéia e até mesmo o conceito de teatro de grupo com objetivo de
elenco estável não é um conceito novo originado no século XX,
porém aqui trataremos de ver como esse conceito foi apropriado por
alguns teatristas importantes do século XX, que norteiam através de
seus experimentos e registros o trabalho de muitos atores e grupos na
atualidade.
Stanislavski, diretor e ator russo que durante 40 anos esteve a frente
do Teatro de Arte de Moscou, entendeu que, para realizar a idéia de
teatro de grupo era necessário um programa centralizado e sistemático
(o que já podemos chamar de treinamento) que sendo desenvolvido,
permitiria ter conclusões sobre as dúvidas colocadas a prova chegando
cada vez mais a uma síntese ajustada da atuação. A idéia junto a
Dantchenko, era criar novas leis para o teatro russo, um teatro que
estava marcado pelo contexto da Revolução Russa.
Nos anos 60, a cultura de teatro de grupo vai ter fortes raízes no
teatro do diretor polonês Jerzy Grotowski.Estamos aqui falando
novamente de um outro contexto entre os anos 60 e 70 do séc. XX, onde
as rupturas sociais, culturais, educacionais são fortes e encaminharam
todo um processo de perdas de referenciais, e onde também muitos
países viviam a ditadura militar.
Grotowski, definiu seu trabalho pela cultura de grupo e para este
definiu uma estrutura de treinamento para o ator, assim gerando um
outro espaço para ator que não é só o dos ensaios, ele dizia que
"havia o ensaio para o espetáculo e o ensaio que não era para o
espetáculo". Era necessário um espaço de formação no grupo Este
pensar sobre um espaço de treinamento para dar conta da formação do
ator que já havia sido pontuado por Stanislavski na Rússia, e também
pensado e estruturado por Jaques Copeau na França em sua escola, entre
outros.
O teatrista Grotowski, fez uso de vários sistemas como a dança, a
yoga, acrobacia e outros para formular o trabalho junto aos atores, os
exercícios consistiam em ser um trabalho personalizado, desenvolvido
dentro de um marco grupal, viria a ser como um espelho, onde o ator
pudesse ver suas limitações e reconhece-las. O encontro com as
próprias limitações é um ponto difícil e complexo, porque para
Grotowski sua base não esta relacionada ao ator e sua técnica e sim a
pessoa, ao homem e a mulher. Assim as limitações pessoais que aparecem
vão mais além de resoluções técnicas, pois trabalhar sobre elas tem
haver com fundamentalmente a possibilidade de aceitá-las e de
aceitar-se. O que se pode concluir da obra do autor é que a técnica
então não tem nenhum valor em si mesma, se não for uma ferramenta à
disposição para abrir novos lugares, ainda desconhecidos, em cada um
dos atores, se não for assim não cumpre sua função.
Desta maneira, o grupo se transforma, necessariamente, em um lugar onde
as relações entre os integrantes não são especulativas (o que é
dominante na vida cotidiana), pelo contrário, necessitam de rigor,
honestidade e o constante olhar de um sobre o outro, que desfaz o
auto-engano e auxilia as pessoas em não se ocultarem.
Disse o diretor inglês Peter Brook a respeito de Grotowski por ocasião
de tê-lo levado a Londres para trabalhar com os atores de sua
companhia:
Grotowski é único. Por que ? Porque ninguém mais no mundo, que eu
saiba, ninguém desde Stanislavski, investigou a essência da
interpretação, suas características, seu significado, a natureza e a
ciência de seus processos mentais-físicos-emocionais de modo tão
profundo e completo como Grotowski. Ele diz que seu teatro é um
laboratório. De fato: é um centro de pesquisa. Talvez o único teatro
de vanguarda cuja pobreza não é desvantagem, cuja falta de fundos não
é a desculpa para soluções inadequadas que automaticamente
arruinariam as experiências. No teatro de Grotowski, como em todos os
laboratórios de verdade, as experiências são observadas. Em seu
teatro a concentração de uma pequena equipe é absoluta, em tempo
integral (BROOK, 1995, p.61).
O espaço grupal, é um lugar para se retirar máscaras, nesse contexto,
um trabalho de grupo desenvolve outro tipo de relação entre os
integrantes e com o contexto social onde está inserido, poderíamos
dizer então, que como desejou Grotowski "o grupo passa a ser uma terra
fértil". Referenciando-se no trabalho de Stanislavski e tendo uma
experiência pessoal com Grotowski temos ainda na mesma década o
surgimento do trabalho do Italiano Eugênio Barba, que a partir deste
contato funda e organiza o Odin Teatret, grupo instalado e subsidiado
pelo governo da Dinamarca (importante citar que em grande maioria os
centros que desenvolvem pesquisas teatrais no exterior hoje são
mantidos pelo governo, e esse é um marco de grande diferença do nosso
contexto no Brasil). Mais tarde um pouco Barba juntamente com o Odin,
funda a ISTA (International School of Treatre Anthropology). Barba
difunde em vários lugares do mundo, sua cultura de grupo e assim, os
primeiros anos do Odin estão muito mais ligados a uma preocupação
com experiências interculturais, do que com o feito teatral em si.
Barba desenvolve com seu grupo a Antropologia Teatral que para ele é:
[?] a antropologia teatral não busca princípios universais, mas
indicações úteis. Ela não tem a humildade de uma ciência, mas uma
ambição em relevar conhecimento que possa ser útil para o trabalho
do ator-bailarino. Ela não procura descobrir leis, mas estudar regras
de comportamento (BARBA,1995, p.8).
O trabalho feito por Barba, teve nos primeiros anos uma preocupação em
formar atores, em criar regras de trabalho, auxiliar o ator na busca de
uma técnica, pois para ele o ator ocidental era desprovido de tal,
ficava com seu talento ao léu, não tinha onde amparar-se para
desenvolver-se. Barba buscou na cultura oriental as matrizes para seu
trabalho junto aos atores do Odin, o que também só poderia acontecer
dentro de um marco de grupo estável.
O Odin em mais de 30 anos de carreira realizou pouquíssimos
espetáculos, mas organizou uma escola que leva seus princípios mundo
afora. Suas experiências na periferia, não foram longas e
aprofundadas o que ocasionou apropriação equivocada de seu trabalho.
Hoje há uma vasta gama de grupos que se referenciam na antropologia
teatral e a tomam como uma verdade única, isso constitui o que
poderíamos dizer um conceito de "seita", o que no princípio era
teatro transformou-se em religião. O que por muitas vezes se faz tomar
o treinamento com algo sisudo, fechado em sala, onde tudo se transforma
em sagrado sem se saber o por quê. Existe uma lacuna na compreensão
do contexto em que o Odin se formou, contexto este marcado muita mais
pela experiência intercultural que pela produção de estética e ou
poética.
A primeira vista, a idéia de teatro de grupo poderia ser em tempos
atuais uma boa forma do artista fazer um eficaz "nadar
contra-corrente", fazendo essa oposição estaria resistindo a
absorção feroz do capitalismo sob seu trabalho artístico. Porém
essa idéia ganha a passos largos, uma força de bandeiras, que acaba
banalizando o sentido primeiro pensado por Grotowski.
Para evitarmos a banalização uma das questões que merece ser pensada
é a formação do teatrista no marco grupal. O treinamento físico que
faz uso de vários outros sistemas, tem como objetivo principal segundo
Grotowski e Barba, tornar o corpo do ator um corpo dilatado, sensível,
aberto para percepção, para o recebimento do mundo e não para
desenvolvimento de habilidades físicas, nem para criação de atores
virtuosos.
Para o ator em seu desenvolvimento como um todo é necessário não só
um treinamento físico. É necessária, uma formação contundente,
não basta fazer mil coisas com o corpo, passar horas trancados em
salas com treinamentos ostensivos e, por exemplo, não treinar-se em
ler dramaturgia, (que parece tão óbvio), em não se manter
relacionado com os elos da história, a ausência de uma formação, de
um treinamento intelectual faz do artista um ser que sequer compreende
sua atividade, suas posturas em relação a si, a sua criação e a
sociedade. A falta deste treinamento inteiro, faz com que sejam
duvidosos, esses agrupamentos relâmpagos que da noite para o dia
qualquer dois que se juntam já possuem uma pesquisa, método e falam
isso sempre em nome de referências, às vezes sem sequer tê-los
amplamente lido e entendido. Isso denota a falta da sua identidade e a
permissão imediata de colonização e instalação de mitos.
Percebo que quando não há entendimento claro dos conceitos com que se
quer trabalhar, as pessoas acabam sendo levadas como por uma onda, ao
invés de apropriarem-se profundamente das referências pra
compreende-las, absorve-las e fazer a crítica devida, e assim fazem
apenas o exercício da repetição, e o trabalho se torna vazio.
Creio que essa debilidade de formação ocasiona o levantar de bandeiras
em nome do teatro de grupo, em nome de teatristas que se dedicaram ao
aprofundamento e vivência reais desta tarefa, mas que são passíveis
do questionamento.Assim o teatro de grupo ganha jargões e clichês e
se transforma e corre o risco de ser totalmente absorvido pelo
capitalismo, assim logo teremos as camisetas, e os broches do teatro de
grupo.
Mas a questão ainda está, em como a falta de esclarecimento e
desenvolvimento e principalmente de formação, pode retirar de um
grupo o que ele tem de mais genuíno, sua identidade. Esquecendo que o
novo de hoje, precisa se dinamizar a cada dia, do contrário
constituirá o estereotipo de amanhã. Um contexto grupal claro e
contundente, necessita de primeira mão trabalhar dentro de um
pensamento includente, dentro de uma lógica dialética, e dentro de um
marco teórico que permita o indivíduo à compreensão do seu tempo, do
contrário corre o risco de rodear-se dos seus iguais, afastando as
diferenças o que faz cair por terra todo e qualquer discurso de "salve
as diferenças", até mesmo porque a história revela ao longo dos seus
acontecimentos, que este discurso serve enquanto discurso ideológico,
porque na prática cotidiana revela-se que o que serve é a hegemonia
de pensamento, pois isso sempre gera poder de um sobre muitos.
O teatro atual que quer se dar no contexto de teatro de grupo,
poder-se-ia dizer a priori, que precisa fundamentalmente, refletir
sobre sua identidade, criar um real espaço de concentração das
diferenças, não perder seu compromisso com o feito teatral, realizar
investigação teatral e definir um marco teórico que respalde sua
investigação, aprofundar seu conhecimento sobre grupalidade para que
este não se confunda com conceito de seita.
É muito possível que o espaço que se abre dentro de um grupo para
desenvolver suas dinâmicas e sua investigação, acabe se
transformando num espaço fechado pela perda de liberdade e identidade,
ocasionando a produção de materiais espetaculares extremamente
herméticos e a formação de servidores e não de artistas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBA, E. A canoa de papel: tratado de antropologia teatral. São Paulo:
Hucitec, 1994.
BROOK, P. O ponto de mudança: quarenta anos de experiências teatrais.
2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
GROTOWSKI, J. Em busca de um teatro pobre. 4.ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1992.
GUINSBURG, J. Stanislavski e o teatro de arte de Moscou. Coleção
Debates, São Paulo: Perspectiva, 1985.
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 3.ed. Rio de
Janeiro: DP&A, 1999.
STANISLAVSKI, C. A preparação do ator. 14.ed. Rio de
Janeiro:Civilização Brasileira, 1998


VALÉRIA MARIA DE OLIVEIRA
Mestranda em Teatro / Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC;
Professora da Universidade do Vale do Itajaí/UNIVALI;
Fonte: Professora Marina Miranda - CEFAR / Palacio das Artes
Gestor da Informação: Sônia Souza - Educadora de Teatro
Palavras-chave: Teatro - Teatro de grupo
Data: 18/02/2009
 


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